Dona Flor e seus dois maridos

Jorge Amado

Jorge Amado é o autor preferido por nove entre dez leitores brasileiros. O que se deve ao fato de o simpático escritor baiano reunir, em suas dezenas de romances, uma poderosa capacidade de contar histórias a um estilo veemente e apaixonado, temperando tudo com humor vivaz e picardia erótica bem ao gosto nacional. D.Flor e seus dois maridos (1967) permanece um romance atual e lido com prazer, pois reúne dois dos temas caros ao leitor: a boa mesa e a boa cama. Florípedes, a D. Flor do título, professora de culinária da escola Sabor & Arte (que se transforma malandramente no trocadilho saborear-te) perde seu marido Vadinho, malandro incorrigível, em pleno domingo de carnaval. De luto fechado, chorosa, recorda os altos e baixos desse relacionamento - que o leitor vai conhecendo em feedback. Mas, como ainda é jovem e bonita, desperta a atenção do corretíssimo farmacêutico Teodoro, com quem se casa. As diferenças entre os maridos são gritantes: se com Vadinho tudo era "louca vadiação", com Teodoro o sexo é regular e bem comportado; se com Vadinho o que sentia era emoção e insegurança, com Teodoro a solidez traz uma ponta melancólica de tédio. Até que o fantasma de Vadinho se intromete na cama de D. Flor e de Teodoro. Fantasia? Saudade? O romance não parece procurar respostas excludentes. Ao contrário, D. Flor é um livro que resolve, ou dissolve, o impasse do triângulo amoroso na possibilidade ambígua e inclusiva de dois amores para a desmedida do desejo humano. Numa leitura mais sociológica, a história de D. Flor aponta para o caráter complexo e contraditório da cultura nacional. Assim surge das páginas de Jorge Amado um Brasil rico em aspectos divergentes: país da abundância (as receitas baianas são um atrativo à parte) e da falta (a população pobre das ruas da Bahia), do erotismo desataviado, mas também do preconceito e da hipocrisia, país da cordialidade e da crueldade, da ordem e da desordem.

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